Olá! Achei esta discussão e fico na dúvida: porque é que o Carfer nunca diria "A cada dia" se por exemplo no Google podemos encontrar bastantes exemplos do uso da expressão com A e sem a subordinada "que passa"? Eis o que achei:
A cada dia, emagreço mais.
Aprender a cada dia, melhorar a cada etapa, e pouco a pouco concretizar o maior dos nossos sonhos!
A cada dia sou mais humana, menos perfeita e mais feliz.
Viver a cada dia passa a ser mais difícil.
Todos os exemplos foram retirados de fontes brasileiras. Será que a preposição é usual só no português do Brasil e em Portugal não? Para nós, os estrangeiros, a subjetividade no uso é algo assustador, pois precisamos de nos apoiar em alguma coisa...
Pois sim, mas em todas as línguas há usos facultativos, variantes e formas de se exprimir que dependem do gosto ou da subjectividade de cada um, que são geralmente aceites e não põem em causa o prefeito entendimento do que se diz. Percebo a dificuldade de quem aprende outra língua e acho compreensível a expectativa de que haja nela regras que orientem o aprendiz, mas, se é como digo, se a regra não existe, se as variantes não são um problema para os nativos, não têm de o ser para os estrangeiros.
A preposição usa-se em Portugal em frases como aquela que o Gamen deu de exemplo: '
A cada dois meses pago a conta de luz e gás'. Nesse caso estamos perante um acontecimento periódico e sucessivamente renovado: hoje pago a renda, de hoje a dois meses volto a pagá-la e assim sucessivamente. Ou
a cada duas horas tomo um medicamento, ou
a cada minuto morrem x pessoas no mundo. Ou seja, eventos periódicos ou incluídos num dado período que se repetem sucessiva e continuadamente. É nessas situações que costumamos usar a preposição que, contudo, insisto, é facultativa. O sentido não é minimamente afectado pela sua omissão. Se disser '
Cada dois meses pago a conta de luz e gás' não comete nenhuma incorrecção nem prejudica a inteligibilidade do que diz
. Simplesmente, no uso de muitos - e no meu também, talvez por deformação profissional - a periodicidade do evento e a sua renovação no final de cada um dos períodos ressaltam melhor se a preposição for expressa. Ou, uma vez que não há alteração do sentido, talvez digamos assim, inconscientemente, por tradição, em obediência a um uso que aprendemos e ainda não se perdeu, sem sabermos e sem nos interrogarmos porquê, ou simplesmente porque gostamos. A gramática não se opõe nem tem razão para se opor. Ainda bem, porque regras em excesso não beneficiam nada nem ninguém. A língua agradece.
Há, porém, casos em que a periodicidade está ausente ou não é tão evidente. Por exemplo, quando digo
'Cada vez que o encontro, tenho uma discussão com ele'. Ao contrário do exemplo anterior, não temos nada que nos diga qual a periodicidade do encontro ou se acontece de uma forma regular: é quando ocorre, às vezes uma vez por ano, outras duas ou três vezes seguidas. O sentido aí, na verdade, é equivalente a '
sempre que o encontro'. Ora, nesses casos há uma propensão para omitir a preposição. Mais uma vez, pode pô-la, mas nada a obriga e, como me parece que a maioria dos portugueses não põe, arrisca-se a que o seu discurso pareça um pouco estranho. Mas incorrecto? Isso não. Ininteligível? Tampouco.
Dito isto, creio que se pode entender a razão pela qual eu reformularia a redacção dalguns dos exemplos que encontrou. Note que não estou a dizer que estão errados, apenas que eu propendo para dizer - e comigo, julgo que a maioria das pessoas em Portugal -
'Cada dia emagreço mais', 'Cada dia sou mais humana, menos perfeita e mais feliz', talvez porque nelas não lemos '
dia' na precisa acepção de um período de 24 horas, mas como uma referência genérica ao decurso do tempo, ao tempo que passa. No fundo são equivalentes a '
Cada vez emagreço mais', 'cada vez sou mais humana' ou
'vou emagrecendo à medida que o tempo passa', 'vou sendo mais humana à medida que o tempo passa'. 'Dia', aí, não tem a mesma relevância nem o mesmo exacto sentido que os dias - ou meses, ou o que for - têm em frases como '
a cada dois dias tomo o medicamento x'. É a diferença entre um período preciso de 24 horas, essencial para o significado da frase, e um sentido mais lato, mais vago, de '
dia' enquanto tempo. Mas, se puser a preposição, também não fará muito mal, continuamos a entender perfeitamente a frase. Já '
Aprender a cada dia, melhorar a cada etapa,' também seria a minha maneira de redigir a frase, precisamente porque me parece que quem a disse quis pôr o acento em cada dia concreto, até pelo paralelismo com '
cada etapa', e não num tempo vago. Preposição expressa, portanto, mas, se a omitir...
A última frase põe-me um problema de redacção. Penso que lhe falta uma vírgula a seguir a '
Viver' e talvez fosse preferível pô-la na ordem directa. Da redacção que adoptasse poderia depender a manutenção da preposição. Sim, também a redacção pode conduzir a pô-la ou a omiti-la, já que pode soar melhor de uma maneira ou de outra. É subjectivo, claro, por isso, não se preocupe, estará certa, diga de que maneira disser.