pecoá

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Na linda canção A Sertaneja de Chiquinha Gonzaga tem esse verso que dá nome a alguns pássaros. Em nenhum lugar encontro uma definição para pecoá. Estou pensando que pode ser o nome de um tipo de pássaro. Está nas bananeiras e faz barulho. Alguém sabe o que é?

Lá na campina
Quando a lua se reclina
Geme a pomba, a sururina
Canta e geme o pecoá
Nas bananeiras
Cantam as rolas cantadeiras
Lá no topo das palmeiras
Assobiá o sabiá
 
  • Não tenho certeza. Sugiro a hipótese de que seja corruptela de 'pécora' (gado), ainda mais porque em estrofes anteriores se fala de vaqueiros e boiada.
     
    Não tenho certeza. Sugiro a hipótese de que seja corruptela de 'pécora' (gado), ainda mais porque em estrofes anteriores se fala de vaqueiros e boiada.
    Seria então uma simplificação de pecoral (ajuntado de pécoras), o que ajuda a entender a mudança da sílaba tônica. De pecoral para pecorá e daí para pecoá. A letra é de Viriato Correa, que mais de uma vez escreveu trovas, repentes, quadrinhas usando como "ortografia" a pronúncia sertaneja.
    – Quando a Janoca passou
    No gapó do igarapé,
    Até nas foia ficou
    O seu cheiro de muié.


    Admito que é o mais perto que chegamos. Me estranha, no entanto, que nessa peça só essa palavra seja escrita assim. No restante dela segue-se a norma. Quando Viriato segue a norma... segue a norma, e com graça:
    Tudo o que é teu me fascina:
    Teu sorriso, teu langor,
    Tua graça de menina,
    Tua epiderme de flor...


    Existe a palavra "picuá", é vocabulário típico de sertão, de tropa de mulas. "Picuá" é o cesto que equipa os animais de carga. Em termos de sonoridade, me parece mais aproximado de "pecoá" que "pecoral". Mas não imagino como é que o "picuá" cante e gema. Ao balanço das mulas, talvez? Disso não sei nada. O mais perto que eu cheguei de uma tropa de mulas foi quando me aproximei do aparelho de TV.

    Quanto a onde esteja o "pecoá", creio que na campina. Nas bananeiras estão as rolas cantadeiras etc.
     
    Seria então uma simplificação de pecoral (ajuntado de pécoras), o que ajuda a entender a mudança da sílaba tônica. De pecoral para pecorá e daí para pecoá.
    :thumbsup:

    @Ari RT: Não encontrei 'pecoral' nos dicionários, no corpus e no google, salvo como sobrenome. Por acaso é ou foi um vocábulo em uso no seu dialeto?
     
    :thumbsup:

    @Ari RT: Não encontrei 'pecoral' nos dicionários, no corpus e no google, salvo como sobrenome. Por acaso é ou foi um vocábulo em uso no seu dialeto?
    Não. Segui sua dica e, cético, busquei uma solução para o trânsito da sílaba tônica, uma forma de encaixar sua hipótese nos mecanismos de simplificação costumeiros na fala "caipira". Conformei-me com que os mecanismos usuais de derivação, se aplicados a "pécora" com o grau de frouxidão usual na fala popular, poderiam sim desembocar em pecoral. Cipó-> cipoal, milho-> milharal, jurema-> juremal-> juremá ("isso" já tem na música), eucalipto-> eucaliptal. Minha avó dizia "calipá", e esses dois últimos exemplos já sobem outro degrau, a passagem de pecoral a pecorá e pecoá. É possível. Não vejo como provável, mas deixei o julgamento do mérito para os foreiros.
    E apresentei minha hipótese, que é por uma forma corrompida de "picoá" ou "piquá". A semelhança fonética é melhor. Mas não tenho a certeza necessária para afirmar uma ou negar outra. Pode haver muitas pécoras na campina, como pode haver mulas equipadas com picoás. Cestos gemem, mas não cantam; gado "canta" (mu?), mas não geme.

    Viriato não era caipira. Sua noção de fala popular deve ser buscada no seu Maranhão natal, como lembra @Guigo acima, e/ou no estereótipo de "nordestinês" vigente no Rio de Janeiro onde fez carreira. Não creio que o interregno pernambucano, na "cidade grande", haja tido influência significativa para o que se aprecia neste fio.
    Havia, sim, uma cultura tropeira no nordeste rural da sua adolescência. Observação pessoal, 100% empírica, 0% estruturada, 0% compartilhada ou submetida a métricas academicamente aceitáveis, me indicam que há ainda hoje algumas semelhanças, provavelmente fortuitas, entre o falar tropeiro do interior paulista (onde nasci) e reminiscências do falar tropeiro sertanejo nordestino (onde moro). Sistema imperial de medidas de peso, volume e distância. Escala de valores. Comida. Influência maior que o esperado do tupi no vocabulário. "Restos" da consoante rótica da minha infância que eu nem em sonho esperava ouvir por aqui, tenho ouvido na boca de segunda e terceira gerações de influência tropeira. Isso justificaria o "picuá" ou o "drift" de pécora a pecoral, pecorá e pecoá? É dizer muito. Explicaria? Talvez explique um ou outro. Afirmar incorreria em risco desnecessário de leviandade.

    Em um ponto estamos juntos: Qualquer das duas hipóteses esbarra no empecilho da inomogeneidade representada por uma só palavra "em dialeto" dentro de uma obra que, de resto, adere à norma. Por isso me inclino por "picuá". A diferença para a norma é menor, apenas a abertura de uma vogal, e a "origem" da palavra é o tupi, quando no outro caso (pecoral) a diferença é maior e a "origem" seria um mecanismo linguístico que, embora reconhecido, não foi chamado a funcionar em nenhum outro ponto ao longo da peça.

    O que se pode dizer de certo é que haja algo na campina que canta e geme ao longe (lá).
     
    Last edited:
    Depois das magistrais explicações dos meninos acima, empiricamente e na base de pura intuição e contexto
    pra mim é um pássaro da região. :)
     
    Depois das magistrais explicações dos meninos acima, empiricamente e na base de pura intuição e contexto
    pra mim é um pássaro da região. :)
    OFF, mais ou menos.

    Pois é, professora: esta de pássaro da região leva-nos a um dos maiores mistérios de nossa ornitologia poética. Tudo tem a ver com outro maranhense ilustre, Gonçalves Dias, que ao referir-se ao 'sabiá', sem especificar qual, estaria citando o sabiá-da-praia (Mimus gilvus, Mimidae) e não o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris, Turdidae).
    No Rio de Janeiro, então capital do Império dos Bragança, assumiram que era o 'laranjeira' e fez-se toda a saga, com base nesta suposição: trechos da Canção do Exílio estão presentes no Hino Nacional Brasileiro e na Canção do Expedicionário, e o sabiá-laranjeira é considerado a ave nacional do Brasil, por muitos, sendo também a ave-símbolo do estado de São Paulo.
    Porém, o sabiá-laranjeira não ocorre no Maranhão, onde o sabiá-da-praia é muito comum. Ao que parece, Gonçalves Dias partiu, diretamente, de São Luís para Coimbra, onde ela foi composta em 1843, tendo sido publicada, em 1846; então, presume-se que o sabiá que o poeta imortalizou seria o 'da praia'.
    Tom Jobim e Chico Buarque, apreciadores de pássaros, também não especificam qual espécie de ave* (pássaro) referem-se na pungente canção Sabiá.

    * todo pássaro é ave, mas nem toda ave é pássaro. Mas todos são dinossauros!
     
    Ah, Machadinho, deixa meu canto do exílio em paz! :) Tão lindo! Vou dizer o mesmo que disse a um amigo que mencionou alguns buracos no filme Ad Astra: quem se importa com buracos no filme se se pode ficar quase 2 horas vendo o Brad Pitt?:p E o mulherio todo concordou comigo.

    Daí:
    Tom Jobim e Chico Buarque, apreciadores de pássaros, também não especificam qual espécie de ave* (pássaro) referem-se na pungente canção Sabiá.
    Para a poesia, que importância tem se era mesmo um sabiá se se pode quase chorar diante de tamanha emoção ao ouvir Jobim ''sabiando''? :oops: :oops:💖
     
    @machadinho como o Gonçalves Dias referia-se, certamente, ao babaçu (uma palmeira, que o pessoal chama de 'coqueiro' *) então o sabiá da praia, frequenta aquelas paragens. Dentro do (coco) babaçu é comum se encontrar a larva de um besouro, chamada de 'gongo', que o pessoal frita e degusta. Foi-me oferecida tal iguaria que, educadamente, recusei: havia gente com mais fome do que eu à mesa.
    Quem já comeu gongo de coco babaçu?

    @Vanda para a poesia tudo é sabiá, mas o praiano fica meio esquecido; dá uma pena do pobrezinho. :cool:


    * Lembrando que coqueiro é aquele que dá coco, certo? Ary Barroso lembrou-nos disso, ao escrever esta página 'imortal':
    Ô! Esse coqueiro que dá coco
    Onde eu amarro a minha rede
    Nas noites claras de luar


    Ainda bem que o Ary proveu tal informação, do contrário jamais saberíamos. :p
     
    E agora vocês não mexam com meu conterrâneo Ary! Ubá não tinha coqueiros, só nossa amada manga-ubá, uai.

    :D

    De como o lirismo mexe com a alma brasileira, visitamos todos os cancioneiros.💖
     
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